Segundo o ministro, Supremo apenas afirmou que o usuário é um doente e não merece prisão
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, afirmou nesta quinta-feira (27), que Lula está “fazendo uma autocrítica do próprio sistema” ao dizer que o “Supremo não tem que se meter em tudo”.
Gilmar afirmou que a Corte não escolhe os temas que julga, apenas responde às provocações que acontecem a todo momento. Ele também disse que falta “consenso básico” no meio político.
As declarações de Lula, na quarta-feira (26), aconteceram logo depois de o STF formar maioria para descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal.
“Eu acho que o que o presidente está fazendo é uma autocrítica do próprio sistema que permite uma provocação do Supremo a toda hora. Eu já disse que o Supremo não tem uma banca pedindo causas para lá. Na verdade, são as pessoas que provocam”, afirmou o ministro do STF em Lisboa, onde promove um evento do IDP, a faculdade de Direito que ele fundou.
Gilmar também afirmou que os próprios partidos políticos provocam o STF a se manifestar.
“No passado, o PT era um partido muito intenso nesse sentido de provocação do Supremo Tribunal Federal. Hoje, são outros partidos. Esse é o modelo constitucional que está colocado”, disse.
O ministro comentou a crítica feita pelo presidente Lula. “O que o presidente está fazendo não é, se quer, talvez uma crítica, mas uma constatação de que o Tribunal é muito provocado. Isso tem a ver, talvez, com a falta de um consenso básico no meio político.”
O STF também foi criticado por governadores que participam do evento de Mendes em Lisboa.
O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL), disse que a “descriminalização cria uma confusão enorme”. E o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), afirmou que há uma desarmonia entre os Três Poderes e que o país vive a maior “desordem institucional” desde os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Confrontado com as críticas dos governadores dentro do seu próprio evento, Gilmar Mendes afirmou que a crise mencionada por Caiado foi instalada no governo de Jair Bolsonaro.
“Isso [a crise institucional] veio talvez de um quadro de hipertrofia que nós experimentamos, especialmente no governo mais recente do presidente Bolsonaro”, disse o ministro.
“Vivemos essa crise, as ameaças constantes, inclusive de interferência no Supremo, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e daí as respostas. Eu acho que a sorte da democracia brasileira foi que os tribunais foram muito firmes, a sociedade foi muito firme e houve um repúdio a esse tipo de interferência”, disse Mendes.
Usuário é um doente, não merece prisão, diz Gilmar
Questionado por jornalistas se o Supremo se torna mais atuante por causa da inércia do Legislativo, Gilmar também evitou falar sobre a tensão com o Congresso, que se acentuou após o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ter afirmado que houve invasão de competência do STF na decisão sobre descriminalização da maconha.
O ministro respondeu que o STF apenas fez uma constatação sobre o que dispunha a Lei de Drogas de 2006, que já despenalizava o uso.
“A prática policial redundou numa confusão entre o pequeno traficante e o usuário, a vida prática levou a isso. Então era importante fazer essa distinção”, disse. Para o ministro, a ação policial levou ao aumento do encarceramento e aliciamento de usuários de droga ao crime organizado.
Gilmar Mendes afirmou que o Tribunal segue o que o ” mundo civilizado vem fazendo” e disse que o usuário é um doente, que precisa de tratamento.
O ministro lembrou que a Corte também pediu na sua decisão a instalação de um sistema de conscientização e a liberação de um fundo de R$ 1 bilhão congelado no Ministério da Justiça para combater o uso da droga.
“Um dos eixos da decisão do Supremo é exatamente tratar o usuário como um viciado, ele é um doente, ele não merece prisão, ele merece ser tratado”, disse.